segunda-feira, 17 de maio de 2010

FERNANDO PESSOA - PALAVRAS ESPARSAS

"Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que travessa a vida
Olhando para tras de si e tendo pena..."
Alberto Caeiro


São sempre tristonhas as manhãs que recorro a Fernando Pessoa.

Amanhecer procurando palavras esparsas, talvez canções espalhadas, as vezes fotos perdidas. Pode parecer engraçado, ao mesmo tempo, ridículo...

Por conveniência ou, por descaso do destino, meu Escritor predileto nasceu a cem anos atrás à minha luz (13/06/1888). Fernando Antônio Nogueira, mais Pessoas que Pessoa, veio ao mundo em Lisboa, praticamente já apaixonado pelo mar, sonhador dos navios à beira do Tejo. Não precisou de muitos anos, a quem foi curta a vida, havendo de morrer aos quarenta e sete anos de cirrose hepática.

Encontrei Fernando Pessoa numa livraria pequena, exdrúxula e quente. Havia gostado da capa e o puxei para casa. Por espanto, no Mensagem, eu tinha acabado de descobrir o triste Gênio. Logo em seguida, comprei a antologia poética de Álvaro de Campos, e a obra completa. Lida/relida, constantemente, até os dias de hoje. Dias depois já tinha chego o Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos, um novo soco no estômago. Enfim, os pequenos fragmentos heteronômicos...

Por assimilação interna própria, nem sempre, tão saudável, acabei numa predileção natural por Álvaro de Campos. Ainda que, também Caeiro, me deixe perplexo com seus profundos pressentimentos da alma e sua forma de nos arrancar de nossa atitude crítica.

"Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar..."
Alberto Caeiro

Segundo consta, Alberto Caeiro nasceu em Lisboa (1889), mas passou quase toda sua vida no campo. Não tinha profissão, vivendo de alguns rendimentos com uma tia-avó. De estatura média, apenas de instrução primária, Caeiro era o "mestre" de todos. De olhos azuis, compleição e saúde frágeis, morreu tuberculoso em 1915, com vinte e seis anos.

Álvaro de Campos nascera em Tavira (15/10/1890). Alto, magro, tendendo a curvar-se um pouco. Após uma "educação vulgar de liceu", cursou engenharia em Glasgow, Escócia. Vivia inativo em Lisboa (vítima de uma abulia depressiva que, paradoxalmente, será a força-motriz de sua obra poética).

Suas odes histéricas e quilométricas, o desejo de "sentir tudo de todas as meneiras,/ viver tudo de todos os lados", aquela intenção de "realizar em si toda a humanidade de todos os momentos". Num segundo momento, as odes que diminuem sensivelmente de extensão, expessões do tédio, do cansaço mortal que lhe paralisa os membros e o cérebro, da abulia; me trouxeram uma espécie de amor pouco saudável, auto-interpretativo, psiquiatra, identificador...

Alguns textos especiais, Tabacaria, Lisbon Revisited (1923 e o de 1926), Passagem das horas, todas as cartas de amor são ridículas, a sinceridade de Poema em linha recta:

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondìvelmente parasita,
Indescupàvelmente sujo, [...]
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés pùblicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda..."

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero."
Álvaro de Campos


Enfim, sempre muito além das Colunas de Hércules, Fernando Pessoa me é um mar espantoso e infinito, com surpresas novas, irrequieto, tristonho e sonhador...se estava semi-acabado nos fragmentos dos heterônimos esparsos, penso, sempre, que esteve semi-acabado em todos suas criações, semi-acabado inclusive, consigo mesmo...

Afinal, quem, algum dia, já esteve realmente completo...






Marlon Fiori

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